Com uma garrafa de vinho,
Vou beber entre as flores.
Somos sempre um trio,
Contando a minha sombra
E a Lua amiga.
Felizmente a Lua nunca bebe
Nem a minha sombra tem sede.
Quando canto, a Lua ouve-me em silêncio.
Ao dançar, acompanha-me a minha sombra.
Depois da festa, os convidados sempre nos abandonam
— mas esta não é uma tristeza que eu conheça.
Quando regresso a casa,
A Lua vai comigo.
E a minha sombra não me larga.
Li Bai, poeta chinês (701-762)
(tradução livre a partir da tradução inglesa de Cooper)
O evento estético é algo tão evidente, tão imediato, tão indefinível como o amor, o sabor da fruta, da água.
sexta-feira, 28 de outubro de 2016
quinta-feira, 22 de setembro de 2016
Orla marítima - Ruy Belo
ORLA MARÍTIMA
O tempo das suaves raparigas
é junto ao mar ao longo da avenida
ao sol dos solitários dias de dezembro
Tudo ali pára como nas fotografias
É a tarde de agosto o rio a música o teu rosto
alegre e jovem hoje ainda quando tudo ia mudar
És tu surges de branco pela rua antigamente
noite iluminada noite de nuvens ó melhor mulher
(E nos alpes o cansado humanista canta alegremente)
«Mudança possui tudo»? Nada muda
nem sequer o cultor dos sistemáticos cuidados
levanta a dobra da tragédia nestas brancas horas
Deus anda à beira de água calça arregaçada
como um homem se deita como um homem se levanta
Somos crianças feitas para grandes férias
pássaros pedradas de calor
atiradas ao frio em redor
pássaros compêndios da vida
e morte resumida agasalhada em asas
Ali fica o retrato destes dias
gestos e pensamentos tudo fixo
Manhã dos outros não nossa manhã
pagão solar de uma alegria calma
De terra vem a água e da água a alma
o tempo é a maré que leva e traz
o mar às praias onde eternamente somos
Sabemos agora em que medida merecemos a vida
é junto ao mar ao longo da avenida
ao sol dos solitários dias de dezembro
Tudo ali pára como nas fotografias
É a tarde de agosto o rio a música o teu rosto
alegre e jovem hoje ainda quando tudo ia mudar
És tu surges de branco pela rua antigamente
noite iluminada noite de nuvens ó melhor mulher
(E nos alpes o cansado humanista canta alegremente)
«Mudança possui tudo»? Nada muda
nem sequer o cultor dos sistemáticos cuidados
levanta a dobra da tragédia nestas brancas horas
Deus anda à beira de água calça arregaçada
como um homem se deita como um homem se levanta
Somos crianças feitas para grandes férias
pássaros pedradas de calor
atiradas ao frio em redor
pássaros compêndios da vida
e morte resumida agasalhada em asas
Ali fica o retrato destes dias
gestos e pensamentos tudo fixo
Manhã dos outros não nossa manhã
pagão solar de uma alegria calma
De terra vem a água e da água a alma
o tempo é a maré que leva e traz
o mar às praias onde eternamente somos
Sabemos agora em que medida merecemos a vida
sábado, 17 de setembro de 2016
Ainda não havia televisão a cores - António Barahona
Ainda não havia televisão a côres.
Todas as noites, víamos a série d''O Fugitivo'.
Às vezes, bebíamos café e passávamos o resto
da noite a fumar e a conversar.
Não tínhamos pressa.
A paixão defendia-nos do tempo.
Saíamos, eternos, ao clarear do dia,
para comprar peixe na lota do Cais-do-Sodré
e tomar o pequeno almoço na cantina.
Não tínhamos nenhuma pressa.
A paixão defendia-nos do tempo.
Voltávamos, eternos, para casa.
António Barahona
Todas as noites, víamos a série d''O Fugitivo'.
Às vezes, bebíamos café e passávamos o resto
da noite a fumar e a conversar.
Não tínhamos pressa.
A paixão defendia-nos do tempo.
Saíamos, eternos, ao clarear do dia,
para comprar peixe na lota do Cais-do-Sodré
e tomar o pequeno almoço na cantina.
Não tínhamos nenhuma pressa.
A paixão defendia-nos do tempo.
Voltávamos, eternos, para casa.
António Barahona
sexta-feira, 16 de setembro de 2016
Gaudeamus igitur
Gaudeamus igitur
Iuvenes dum sumus
Post iucundam iuventutem
Post molestam senectutem
Nos habebit humus
Sísifo - Miguel Torga
Recomeça ....
Se puderes
Sem angústia
E sem pressa.
E os passos que
deres,
Nesse caminho duro
Do futuro
Dá-os em liberdade.
Enquanto não
alcances
Não descanses.
De nenhum fruto
queiras só metade.
E, nunca saciado,
Vai colhendo ilusões
sucessivas no pomar.
Sempre a sonhar e
vendo
O logro da aventura.
És homem, não te
esqueças!
Só é tua a loucura
Onde, com lucidez,
te reconheças...
( Miguel Torga )
Há um deus único e secreto - Manuel António Pina
Há um deus único e
secreto
em cada gato
inconcreto
governando um mundo
efémero
onde estamos de
passagem
Um deus que nos
hospeda
nos seus vastos
aposentos
de nervos,
ausências, pressentimentos,
e de longe nos
observa
Somos intrusos,
bárbaros amigáveis,
e compassivo o deus
permite que o
sirvamos
e a ilusão de que o
tocamos
Manuel António Pina
Eis a travessia - Al Berto
eis a travessia que te proponho
amanhecer sem querermos possuir o mundo
e no orvalho da noite saciar o desejo adiado
respirar a música inaudível das galáxias
sentir o tremeluzir da água no medo da boca
o amor
deve ser esta perseguição de sombras
esta cabeça de mármore decepada
ou este deserto
onde o receio de te perder permanece oculto
na sujidade antiga dos dias
Al Berto
amanhecer sem querermos possuir o mundo
e no orvalho da noite saciar o desejo adiado
respirar a música inaudível das galáxias
sentir o tremeluzir da água no medo da boca
o amor
deve ser esta perseguição de sombras
esta cabeça de mármore decepada
ou este deserto
onde o receio de te perder permanece oculto
na sujidade antiga dos dias
Al Berto
Age como o vento - provērbio turco
Age como o vento, com intensidade e sem te fazeres notar.
Provérbio turco
Provérbio turco
domingo, 11 de setembro de 2016
Feliz aquela que efabulou o romance - Sophia Andresen
Feliz aquela que efabulou o romance
Depois de o ter vivido
A que lavrou a terra e construiu a casa
Mas fiel ao canto estridente das sereias
Amou a errância o caçador e a caçada
E sob o fulgor da noite constelada
À beira da tenda partilhou o vinho e a vida.
Depois de o ter vivido
A que lavrou a terra e construiu a casa
Mas fiel ao canto estridente das sereias
Amou a errância o caçador e a caçada
E sob o fulgor da noite constelada
À beira da tenda partilhou o vinho e a vida.
Sophia de Mello Breyner Andresen
Aqui despi meu vestido de exílio - Sophia Andresen
Aqui despi meu vestido de exílio
E sacudi de meus passos a poeira do desencontro
E sacudi de meus passos a poeira do desencontro
2 versos de Sophia de Mello Breyner Andresen
terça-feira, 12 de abril de 2016
Poesia Matemática - Millôr Fernandes
Às folhas tantas
do livro matemático
um Quociente apaixonou-se
um dia
doidamente
por uma Incógnita.
Olhou-a com seu olhar inumerável
e viu-a do ápice à base
uma figura ímpar;
olhos rombóides, boca trapezóide,
corpo retangular, seios esferóides.
Fez de sua uma vida
paralela à dela
até que se encontraram
no infinito.
"Quem és tu?", indagou ele
em ânsia radical.
"Sou a soma do quadrado dos catetos.
Mas pode me chamar de Hipotenusa."
E de falarem descobriram que eram
(o que em aritmética corresponde
a almas irmãs)
primos entre si.
E assim se amaram
ao quadrado da velocidade da luz
numa sexta potenciação
traçando
ao sabor do momento
e da paixão
retas, curvas, círculos e linhas sinoidais
nos jardins da quarta dimensão.
Escandalizaram os ortodoxos das fórmulas euclidiana
e os exegetas do Universo Finito.
Romperam convenções newtonianas e pitagóricas.
E enfim resolveram se casar
constituir um lar,
mais que um lar,
um perpendicular.
Convidaram para padrinhos
o Poliedro e a Bissetriz.
E fizeram planos, equações e diagramas para o futuro
sonhando com uma felicidade
integral e diferencial.
E se casaram e tiveram uma secante e três cones
muito engraçadinhos.
E foram felizes
até aquele dia
em que tudo vira afinal
monotonia.
Foi então que surgiu
O Máximo Divisor Comum
frequentador de círculos concêntricos,
viciosos.
Ofereceu-lhe, a ela,
uma grandeza absoluta
e reduziu-a a um denominador comum.
Ele, Quociente, percebeu
que com ela não formava mais um todo,
uma unidade.
Era o triângulo,
tanto chamado amoroso.
Desse problema ela era uma fração,
a mais ordinária.
Mas foi então que Einstein descobriu a Relatividade
e tudo que era espúrio passou a ser
moralidade
como aliás em qualquer
sociedade.
um Quociente apaixonou-se
um dia
doidamente
por uma Incógnita.
Olhou-a com seu olhar inumerável
e viu-a do ápice à base
uma figura ímpar;
olhos rombóides, boca trapezóide,
corpo retangular, seios esferóides.
Fez de sua uma vida
paralela à dela
até que se encontraram
no infinito.
"Quem és tu?", indagou ele
em ânsia radical.
"Sou a soma do quadrado dos catetos.
Mas pode me chamar de Hipotenusa."
E de falarem descobriram que eram
(o que em aritmética corresponde
a almas irmãs)
primos entre si.
E assim se amaram
ao quadrado da velocidade da luz
numa sexta potenciação
traçando
ao sabor do momento
e da paixão
retas, curvas, círculos e linhas sinoidais
nos jardins da quarta dimensão.
Escandalizaram os ortodoxos das fórmulas euclidiana
e os exegetas do Universo Finito.
Romperam convenções newtonianas e pitagóricas.
E enfim resolveram se casar
constituir um lar,
mais que um lar,
um perpendicular.
Convidaram para padrinhos
o Poliedro e a Bissetriz.
E fizeram planos, equações e diagramas para o futuro
sonhando com uma felicidade
integral e diferencial.
E se casaram e tiveram uma secante e três cones
muito engraçadinhos.
E foram felizes
até aquele dia
em que tudo vira afinal
monotonia.
Foi então que surgiu
O Máximo Divisor Comum
frequentador de círculos concêntricos,
viciosos.
Ofereceu-lhe, a ela,
uma grandeza absoluta
e reduziu-a a um denominador comum.
Ele, Quociente, percebeu
que com ela não formava mais um todo,
uma unidade.
Era o triângulo,
tanto chamado amoroso.
Desse problema ela era uma fração,
a mais ordinária.
Mas foi então que Einstein descobriu a Relatividade
e tudo que era espúrio passou a ser
moralidade
como aliás em qualquer
sociedade.
Millôr Fernandes
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