quarta-feira, 28 de fevereiro de 2018

Coisas tão felizes - José Tolentino de Mendonça

Entre amigo e amigo
jamais se afastam
coisas tão felizes
os instantâneos silêncios de certas formas
os protestos inocentes à nossa passagem
a natureza fortuita, dizia eu
imortal, dizias tu
do vento?

Felicidade - Sophia de Mello Breyner Andresen


Pela flor pelo vento pelo fogo 
Pela estrela da noite tão límpida e serena 
Pelo nácar do tempo pelo cipreste agudo 
Pelo amor sem ironia — por tudo 
Que atentamente esperamos 
Reconheci tua presença incerta 

Tua presença fantástica e liberta.

O Sorriso - Eugénio de Andrade

Creio que foi o sorriso,
o sorriso foi quem abriu a porta.
Era um sorriso com muita luz
lá dentro, apetecia
entrar nele, tirar a roupa, ficar
nu dentro daquele sorriso.
Correr, navegar, morrer naquele sorriso.

Green God - Eugénio de Andrade

Trazia consigo a graça
das fontes quando anoitece.
Era um corpo como um rio
em sereno desafio
com as margens quando desce.
Andava como quem passa
sem ter tempo de parar.
Ervas nasciam dos passos,
cresciam troncos dos braços
quando os erguia no ar.
Sorria como quem dança.
E desfolhava ao dançar
o corpo, que lhe tremia
num ritmo que ele sabia
que os deuses devem usar.
E seguia o seu caminho,
porque era um deus que passava.
Alheio a tudo o que via,
enleado na melodia
duma flauta que tocava.