Poesia é a infância da língua.
Sei que os meus desenhos verbais nada significam.
Nada.
Mas se o nada desaparecer a poesia acaba.
Eu sei.
Sobre o nada eu tenho profundidades.
O evento estético é algo tão evidente, tão imediato, tão indefinível como o amor, o sabor da fruta, da água.
segunda-feira, 25 de julho de 2011
Sapo é um pedaço de chão que pula - Manoel de Barros
Sapo é um pedaço de chão que pula
Manoel de Barros
terça-feira, 5 de julho de 2011
Arte de Amar (excertos)
...
Só não é belo o que se não deseja
ou o que ao nosso desejo mal responde.
...
Que corpo belo é menos belo em movimento?
...
Só não é belo o que se não deseja
ou o que ao nosso desejo mal responde.
...
Que corpo belo é menos belo em movimento?
...
Jorge de Sena
quinta-feira, 16 de junho de 2011
Despedida de Orfeu
É hora de vos deixar, marcos da terra,
formas vãs do mudável pensamento,
formas organizadas pelo sonho:
cantando vossa finalidade apontei.
É hora de vos deixar, poderes do mundo,
magnólias da manhã, solene túnica das árvores,
montanhas de lonjura e peso eterno.
Pássaros dissonantes, castigado sexo,
terreno vago das estrelas;
jovem morta que me deste a vida,
proas de galera do céu, demónios lúcidos,
longo silêncio de losangos frios,
pedras de rigor, penumbras d'água,
deuses de inesgotável sentido,
bacantes que destruís o que vos dei;
é hora de vos deixar, suaves afectos,
magia dos companheiros perenes,
subterrâneos do clavicórdio, veludações do clarinete,
e vós, forças da terra vindas,
admiráveis feras de cetim e coxas;
claro riso de amoras, odor de papoulas cinerárias,
arquitetura do mal, poços de angústia,
modulações da nuvem, inúmeras matérias
pela beleza crismadas:
cantando vossa finalidade mostrei.
É hora de vos deixar, sombra de Eurídice,
-constelação frouxa da minha insónia-,
lira que aplacaste o uivo do inferno.
É hora de vos deixar, golfo de lua,
orquestração da terra, álcoois do mundo,
morte, longo texto de mil metáforas
que se lê pelo direito e pelo avesso,
minha morte, casulo que desde o princípio habito;
é hora de explodir, largar o molde:
volto ao céu original,
céu debruado de Eurídice;
homem cripto-vivente,
sonho sonhado pela vida vã,
cantando expiro.
Murilo Mendes
Como a Onda
Como a onda a um toque de vento,
Principia um poema,
Lá longe,
No mar largo da vida.
Junta as coisas perdidas
À força que o levanta:
_ Vozes, acenos, olhares,
As frases sem motivo,
Leves espumas.
Cresce cantando,
Cresce reunindo e caminhando
À Síntese eleita
E morre como a onda, ao encontrar
Outra onda mais pura e mais perfeita.
João Maia
Principia um poema,
Lá longe,
No mar largo da vida.
Junta as coisas perdidas
À força que o levanta:
_ Vozes, acenos, olhares,
As frases sem motivo,
Leves espumas.
Cresce cantando,
Cresce reunindo e caminhando
À Síntese eleita
E morre como a onda, ao encontrar
Outra onda mais pura e mais perfeita.
João Maia
terça-feira, 31 de maio de 2011
O Físico Prodigioso
Dona Urraca tem um físico
que cura toda maleita.
Quando Dona Urraca geme,
logo o físico se deita.
Dona Urraca é boa dama
para as donzelas que tem.
Quando elas adoecem
logo o físico ali vem.
J P Coelho
Admitimos perfeitamente que, se temos deficiências na nossa formação profissional, devemos esforçar-nos por melhorá-la, mas continuamos a supor que, em relação à nossa formação cultural, ela nos deve chegar sem esforço da nossa parte.
A retórica antielitista é a perigosa máscara da mediocridade.
A retórica antielitista é a perigosa máscara da mediocridade.
Jacinto Prado Coelho
Woodie
Pergunta o psiquiatra:
- Tem namorada?
- Não!
- Mas... acha que o sexo é porco?
- Acho...! Quando é bem feito.
- Tem namorada?
- Não!
- Mas... acha que o sexo é porco?
- Acho...! Quando é bem feito.
Woodie Allen, O Inimigo Público
Amantes
Mesmo que dois amantes estejam muito apaixonados um pelo outro e se desejem de um modo recíproco, um deles terá sempre mais calma e sentir-se-á menos possuído.
Alma
Todo o ditador quer comprar a alma do artista. É um dilema insolúvel. Porque um artista só pode vender a alma se a tem. Mas se a tem não a pode vender.
Brett
Mal acabamos um disco temos sempre a tendência para começar a pensar no que vamos fazer a seguir. creio que é necessário proceder dessa forma para que as coisas permaneçam excitantes. Não se deve passar o tempo a remexer no que já está feito. Convém olhar sempre para o futuro.
Brett Andersen
Entreposto Comercial
Entreposto Celestial do Conhecimento Benevolente
(Enciclopédia Chinesa)
ANIMAIS
a) aqueles que pertencem ao imperador;
b) embalsamados
c) os treinados
d) leitões
e) sereias
f) aqueles que não são incluídos nesta classificação
g) cães abandonados
h) os fabulosos
i) os inumeráveis
j) aqueles desenhados com um fino pincel de pêlo de camelo
k) outros
l) aqueles que acabaram de quebrar um vaso de flores
m) aqueles que à distância se parecem com moscas
Séneca
"Deixamo-nos levar pelo mais pequeno dos sopros.
"Não se está em lado nenhum quando se está em todos.
"São mais, Lucílio, as coisas que nos atormentam e sofremos mais frequentemente pelo que imaginamos do que por aquilo que acontece na realidade.
Séneca
Deseos
Es malo todo lo que distrae del objectivo verdaderamente esencial de la vida humana, que consiste, a mi juicio, en la satisfacción de los deseos.
Elêusis
Ainda há poucos instantes eu sentia o rumor do teu coração junto do meu, tu tão bela, eu tão rude - e já estou tentando recontinuar ansiosamente, por meio deste papel inerte, esse inefável estar contigo...
Olha, também fui a Elêusis; pela larga estrada pendurei muita flor que não era verdadeira, diante de muito altar que não era divino; mas a Elêusis cheguei, em Elêusis penetrei.
Olha, também fui a Elêusis; pela larga estrada pendurei muita flor que não era verdadeira, diante de muito altar que não era divino; mas a Elêusis cheguei, em Elêusis penetrei.
Pires
Há muitos anos, li num romance de guerra uma coisa espantosa: um homem é condenado à morte e, quando entram na cela para o fuzilarem, ele estava a ler um romance... Sabem o que ele fez? Levantou-se e marcou a página onde estava...
José cardoso Pires
Vaidade
Será um excesso de indulgência dedicar-me, a mim, um homem sem valor, o seu excelente poema e um excesso de vaidade minha aceitá-lo?
Sed
Ire rondarte a la reja y se ves que me derrito no mates mi sed con agua.
Se no puedes evitarla, hay que aproveitarla.
Mitos
Mito socrático: amar serve para criar uma multidão de belos e magníficos discursos.
Mito Romântico: produzirei uma obra imortal escrevendo a minha paixão.
Mito Romântico: produzirei uma obra imortal escrevendo a minha paixão.
Onda
Houve quem dissesse um dia que quando a onda é muito alta o melhor é baixar a cabeça para ver se ela passa por cima. Pode ser uma estratégia inteligente, mas quando se baixa a cabeça muitas vezes, ficamos metidos para dentro e tendemos a cair na posição fetal.
Os Livros de Próspero
"Se continuas a chatear-me , abrirei aquele carvalho e nele te enfiarei e lá ficarás longos doze anos a lamentar-te."
"Some-te semente de bruxa."
"Canta, pomposo galo."
"Só o conheces a ele e ao califão, julgas que já viste tudo."
"Todos os dias há uma esposa, um capitão de navio ou um navio que sofrem tanto como nós."
In Os Livros de Próspero
Kika
- Saca el mapa de la guantera y dime cómo se llega a tu pueblo.(Kika)
- No me hace falta mapa, tú sigue que yo te oriento. (Chico de la carretera)
- Eso es lo que yo necesito, un poquito de orientación... (Kika)
- No me hace falta mapa, tú sigue que yo te oriento. (Chico de la carretera)
- Eso es lo que yo necesito, un poquito de orientación... (Kika)
Neil
É óptimo podermos comunicar: o problema é que ninguém diz nada.
Não te deixes impressionar pelas estrelas, deixa lá o universo e procura viver a vida na terra.
Neil Hannon
Jardines
La Pista del Maiale: Um percurso pictórico da história cíclica e ritual da vida de um porco.
Jardines Colgantes: Um alfaiate instala-se num grande e labiríntico edifício. Da janela observa a rapariga dos seus sonhos. Decide secretamente fazer-lhe um vestido.
Roes: O amor do homem pela terra que lhe deu vida, pelo mar que o amamenta e pelo cheiro a jasmim que o acompanha.
Jardines Colgantes: Um alfaiate instala-se num grande e labiríntico edifício. Da janela observa a rapariga dos seus sonhos. Decide secretamente fazer-lhe um vestido.
Roes: O amor do homem pela terra que lhe deu vida, pelo mar que o amamenta e pelo cheiro a jasmim que o acompanha.
A Margem da Alegria (fragmentos)
Inês de Pedro presa mais que súbdita é princesa
e mais branca que a própria dona branca
que vinda de navarra cedo volta à sua terra
e tem no olhar mais céus que os que cobre deus
e abre como a tarde onde algum grito vibre
e tal chuva derrama que mais que a chuva ela chuva se chama
e refulge só ela mais que toda a estrela
e tudo até esmorece ou mesmo desfalece
ao vê-la à luz do dia mais alegre que a alegria
depois disso mais triste que quanto ser existe
Não pode descrevê-la bem alguém mesmo depois de vê-la
...
Inês ferida logo fez funda ferida no
peito do seu senhor com esse amor
que tudo incendiava porque o seu olhar
quando à volta poisava tudo logo queimava
e queimou esse pedro que era pedra
Seus braços o ataram e o perderam
pois sempre eles mataram seres que se amaram
e pedro foi de inês como se é de vez
de alguém que se deseja e esse amor detém
toda a pessoa a quem ocorre ser o meio
entreposto entre dois seres que se querem
cada vez mais quanto menos jamais
se podem abraçar e assim se consumir
...
E é assim que inês mais que mulher anjo talvez
se faz a perdição de pedro que a tem em toda a parte
inês palavra para a boca e na alma suspiro
inês inês mais vezes nomeada cada vez
...
Mas nos olhos de inês há muitos pressentimentos
a roda da fortuna touca-lhe a cabeça
e a rodar começa e traz bons e maus momentos
e nada além da morte há quem a vença
E assim inês confia e desconfia
confia na alegria e teme de tristeza
e tem falas contrárias mais do que a contradição
...
E aquela mulher teme o furor
daquele seu senhor que não sabe o que quer
e se mostra inconstante inconsequente
às vezes de repente com aquela que constante
se mostra num amor a partir do olhar
E há lágrimas na tez da loura inês
e treme-lhe essa mão que mais que sua é dele
e pede todo o dia que garanta a alegria
que em seus olhos havia e agora varia
ao vento dessa voz que o ódio tem
na multidão que fala e que ao falar ondula
cruel de encontro à estrela que era dela
e agora se revela às vezes adversária
e prefere a tal sorte a fera morte
e espera pela noite embora a luz do dia
empalideça ante a alegria que seus olhos envolvia
Pedro protesta então que esse receio é vão
que lhe brilha no olhar o mesmo amor
que nele viu brilhar já no primeiro dia
esse dia que havia de mudar-lhe a face
até delida pelo curso vão da vida
Mais do que infanta ela é senhora
de todo esse seu ser onde ela canta
de dia com a voz da cotovia
à noite com o som em si bemol do rouxinol
...
Em vão afonso tudo move para que prive
da alma do seu filho aquela que lá vive
e lá mora mais do que mora fora
E contra toda a força o infante se esforça
e lembra-se daquele seu antepassado
que ousou ao matrimónio opor amor
e desse amor vir a gerar o trovador
senhor de alto saber e que mandou plantar
para vencer o mar esse oceano de pinhais
onde o vento o é mais e cresce mais e mais
e ao lembrar tudo isso ele daria a vida
pra levar de vencida os inimigos da amada
e preferia alousa só da terra lisa
onde por fim sereno ter jazida
do que ver em si o temor maior do que o amor
quando ele o que vê é crescer o seu amor pela mulher
de que o pai o quer separar sem querer reparar
que a separação faz aumentar o amor
e no peito raízes mais fundas plantar
difíceis de arrancar as mais das vezes
A inês não lhe vem a realeza
da raça desses reis a que se sabe pertencer
mas sim da sua natureza só singular de mulher
desse colo de garça envolto na beleza
de um colar que desce desse olhar
Pedro é mais do que tudo esse branco peito
ele amador é hoje a coisa amada
vive dentro de si a verdadeira vida
e consegue ser livre só por ser cativo
do amor que nele tem o principado
e nele fugaz assume para alguns o nome
do pérfido pecado pertinaz
E a haste frágil daquela mulher
faz o que quer daquele infante forte
que só a própria morte há-de vergar
Mas que outra coisa pode ele fazer
que deixar-se vencer por quem ele vence
até aos dois o amor igualar
e esse amor passar a ser o sol maior
que mais esse do que outros mundos ele domina
melhor domina só pelo resplendor?
Que ser senão já o senhor mas apenas um súbdito
sujeito a esse empório
a esse território sem rosto
que nenhum outro reino excede no poder
mesmo quando exigir sempre mais mundos
sem nunca nenhum deles o cumular?
Se ela já faz parte dele mesmo
como há-de ele fugir dessa mulher?
Amor assim logo ao nascer havia de mover
o próprio movimento o que tudo move
Amor cego que cega cego que mais vê
ser assim frágil que é o mais cruel
amor de inês amor de pedro talvez
que faz dois seres serem um de vez
ser único e definitivo
ser único e definitivo e imortal
e mais branca que a própria dona branca
que vinda de navarra cedo volta à sua terra
e tem no olhar mais céus que os que cobre deus
e abre como a tarde onde algum grito vibre
e tal chuva derrama que mais que a chuva ela chuva se chama
e refulge só ela mais que toda a estrela
e tudo até esmorece ou mesmo desfalece
ao vê-la à luz do dia mais alegre que a alegria
depois disso mais triste que quanto ser existe
Não pode descrevê-la bem alguém mesmo depois de vê-la
...
Inês ferida logo fez funda ferida no
peito do seu senhor com esse amor
que tudo incendiava porque o seu olhar
quando à volta poisava tudo logo queimava
e queimou esse pedro que era pedra
Seus braços o ataram e o perderam
pois sempre eles mataram seres que se amaram
e pedro foi de inês como se é de vez
de alguém que se deseja e esse amor detém
toda a pessoa a quem ocorre ser o meio
entreposto entre dois seres que se querem
cada vez mais quanto menos jamais
se podem abraçar e assim se consumir
...
E é assim que inês mais que mulher anjo talvez
se faz a perdição de pedro que a tem em toda a parte
inês palavra para a boca e na alma suspiro
inês inês mais vezes nomeada cada vez
...
Mas nos olhos de inês há muitos pressentimentos
a roda da fortuna touca-lhe a cabeça
e a rodar começa e traz bons e maus momentos
e nada além da morte há quem a vença
E assim inês confia e desconfia
confia na alegria e teme de tristeza
e tem falas contrárias mais do que a contradição
...
E aquela mulher teme o furor
daquele seu senhor que não sabe o que quer
e se mostra inconstante inconsequente
às vezes de repente com aquela que constante
se mostra num amor a partir do olhar
E há lágrimas na tez da loura inês
e treme-lhe essa mão que mais que sua é dele
e pede todo o dia que garanta a alegria
que em seus olhos havia e agora varia
ao vento dessa voz que o ódio tem
na multidão que fala e que ao falar ondula
cruel de encontro à estrela que era dela
e agora se revela às vezes adversária
e prefere a tal sorte a fera morte
e espera pela noite embora a luz do dia
empalideça ante a alegria que seus olhos envolvia
Pedro protesta então que esse receio é vão
que lhe brilha no olhar o mesmo amor
que nele viu brilhar já no primeiro dia
esse dia que havia de mudar-lhe a face
até delida pelo curso vão da vida
Mais do que infanta ela é senhora
de todo esse seu ser onde ela canta
de dia com a voz da cotovia
à noite com o som em si bemol do rouxinol
...
Em vão afonso tudo move para que prive
da alma do seu filho aquela que lá vive
e lá mora mais do que mora fora
E contra toda a força o infante se esforça
e lembra-se daquele seu antepassado
que ousou ao matrimónio opor amor
e desse amor vir a gerar o trovador
senhor de alto saber e que mandou plantar
para vencer o mar esse oceano de pinhais
onde o vento o é mais e cresce mais e mais
e ao lembrar tudo isso ele daria a vida
pra levar de vencida os inimigos da amada
e preferia alousa só da terra lisa
onde por fim sereno ter jazida
do que ver em si o temor maior do que o amor
quando ele o que vê é crescer o seu amor pela mulher
de que o pai o quer separar sem querer reparar
que a separação faz aumentar o amor
e no peito raízes mais fundas plantar
difíceis de arrancar as mais das vezes
A inês não lhe vem a realeza
da raça desses reis a que se sabe pertencer
mas sim da sua natureza só singular de mulher
desse colo de garça envolto na beleza
de um colar que desce desse olhar
Pedro é mais do que tudo esse branco peito
ele amador é hoje a coisa amada
vive dentro de si a verdadeira vida
e consegue ser livre só por ser cativo
do amor que nele tem o principado
e nele fugaz assume para alguns o nome
do pérfido pecado pertinaz
E a haste frágil daquela mulher
faz o que quer daquele infante forte
que só a própria morte há-de vergar
Mas que outra coisa pode ele fazer
que deixar-se vencer por quem ele vence
até aos dois o amor igualar
e esse amor passar a ser o sol maior
que mais esse do que outros mundos ele domina
melhor domina só pelo resplendor?
Que ser senão já o senhor mas apenas um súbdito
sujeito a esse empório
a esse território sem rosto
que nenhum outro reino excede no poder
mesmo quando exigir sempre mais mundos
sem nunca nenhum deles o cumular?
Se ela já faz parte dele mesmo
como há-de ele fugir dessa mulher?
Amor assim logo ao nascer havia de mover
o próprio movimento o que tudo move
Amor cego que cega cego que mais vê
ser assim frágil que é o mais cruel
amor de inês amor de pedro talvez
que faz dois seres serem um de vez
ser único e definitivo
ser único e definitivo e imortal
Ruy Belo
Cena de Teatro
Corta legumes
Apanha-os e mete-os numa panela
Mexe a panela
Fica com a colher para um prato e passa o outro prato
Faz que come e passa o prato para lavar
Lava o prato e deixa-o cair para o lado
Porque não há lá ninguém para o agarrar
Carpe Diem
Tandis que nous parlons, le temps jaloux aura fui;
cueille le jour, sans te fier le moins du monde au lendemain.
Horácio
Esta Noite Sonhei que Estava Numa Planície
Esta noite sonhei que estava numa planície sem fim, e por todo o lado havia camas espalhadas.
Em cada cama estava deitada uma mulher.
Numa delas estavas tu.
Eu tinha vindo com Lise.
Quando a viste ficaste mais doce,
o teu peito inchou na minha mão,
os lábios do teu ventre sorveram o meu sexo.
Estávamos tão juntos que só víamos os olhos um do outro.
Os lábios da tua face sorveram-me a língua.
Depois disseste:
Quando vires um pequeno ponto luminoso brilhar nos meus olhos
é porque me estou a vir.
Leão, o Africano
Sobre as tuas faces fiz florir uma flor
Sobre os teus lábios fiz desabrochar um sorriso,
Não me repudies, pois a nossa lei é clara:
Todo o homem tem o direito de colher
O que ele próprio plantou.
Leão, o Africano – Amin Maalouf
Quando observas um campo de trigo, não vês que umas espigas estão direitas e outras curvadas?
É porque as primeiras estão vazias.
Passeei toda a tarde
Passeei toda a tarde
na companhia da solidão
com o seu rosnar de cão,
no outono
do fiorde.
O pior é que a solidão,
como a Poesia,
não lambe as mãos do dono.
Morde.
José Gomes Ferreira
Beber é um prazer que prolonga a angústia,
Beber é um prazer que prolonga a angústia,
acaricia a dança,
vive-se num espelho trémulo,
dá à solidão o duelo de fantasmas
que se beijam com lâminas doces
- os homens dançam com pernas alheias
e os corpos só as encontram
nos deuses perdidos nas nuvens
com louros nos cabelos das tabernas.
Beber conclui as asas,
empresta aos dedos
os véus luminosos
esquecidos pelos morcegos no pó das cavernasJosé Gomes Ferreira
Nesse tempo para mim
Nesse tempo para mim
amar era trazer uma fogueira
onde colava um rosto de mulher
ou a forma de um jasmim.
De vez em quando vestia-lhe um fantasma novo
ou outro sonho qualquer,
às vezes bastava mudar-lhe o nome
pronunciado com a saliva das manhãs rumorosas
de quem tem sede
não de uma fonte especial,
mas apenas do orvalho
que o Sol ao nascer
modela no perfume-seda
das rosas.
José Gomes Ferreira
Deixei as mãos no prado
Deixei as mãos no prado
a cortar azedas...
E aqui estou deitado
ao sol das veredas.
Ah! Estas manhãzinhas
de mãos sem cadeias.
Brincam as minhas.
(Suam as alheias.)
O pior é se aparece alguma bruxa de unhas pretas
a vomitar brasas
e as caça, confundindo as mãos com borboletas
de cinco asas.
José Gomes Ferreira
Vaidosa
Dizem que tu é pura como um lírio
E mais fria e insensível que o granito,
E que eu que passo aí por favorito
Vivo louco de dor e de martírio.
Contam que tens um modo altivo e sério,
Que és muito desdenhosa e presumida,
E que o maior prazer da tua vida
Seria acompanhar-me ao cemitério.
Chamam-te a bela imperatriz das fátuas,
A déspota, a fatal, o figurino,
E afirmam que és um molde alabastrino,
E não tens coração como as estátuas.
E narram o cruel martirológio
Dos que são teus, ó corpo sem defeito,
E julgam que é monótono o teu peito
Como o bater cadente dum relógio.
Porém eu sei que tu, que como um ópio
Me matas, me desvairas e adormeces
És tão loira e doirada como as messes
E possuis muito amor... muito amor próprio.
Cesário Verde
(Y Se Excitan Los Niervos de tu Espina Dorsal)
(Y se excitan los niervos de tu espina dorsal)
- UNA LÁMINA DE GROSZ SE COMPAGINA ENTRE MI POEMA Y TU CULO
(mientras mi nariz huele la blonda de tu nuca)
- Y TE DIGO: - HERMOSURA
(cuando tu te has volteado)
- TE DIGO: - TERNURA
(mi pecho se ha pegado a tu piel a tu espalda)
- PESTAÑAS DE CARDO
(y acaricio tus brazos tu vientre tus muslos)
OJOS PROFUNDOS ASTROS PERDIDOS
(mi vientre se curva en la curva de tu cadera doblada = yo te he montado)
- NO HAY METAFÍSICA AQUI: NI CASTIDAD
(y tu piel dorada se nubla en sudor)
NI RAPIÑA NI REPRESIÓN EN LA EXPRESIÓN
(mis manos gustan el brote duro de tus pezones)
Y LOS CÓDIGOS SE-STÁN SATÁN ALACRÁN STÁN TAM-TAM DERRUUMMBANDO
(mis manos se apoyan ahora en tu cintura)
y te digo: PEQUEÑA
(levanto una mano y escupo en ella)
y me dices: SÁTIRO TU ÉRES MI SÁTIRO
(embadurno mi falo tenso con saliva crema NIVEA)
TE DIGO: - CARIÑO
(a ciegas te exploro te abro las nalgas)
TE DIGO: - RICOTONA RICA RIQUÍSIMA
(y trato de introdduucirme en ti y no puedo)
Y ME DICES: - ESPERA UN POQUITO
(me coges el falo y experta te lo colocas)
ME DICES: - EMPUJA DESPACITO
(tus caderas se levantan y enpujan hacia atrás)
Y TE DIGO: - PRECIOSA PRECIOSA TE QUIERO
(yo empujo adelante y te ondulas te ondulas)
Cantando Defendo a Minha Alma Adolescente
Cantando defendo a minha alma adolescente.
Que amante ouvirá esta canção?
Eu amo tudo o que é vivo
e a minha nudez renova-se e inebria-me.
Movo-me como uma serpente
em silenciosos gestos
e o meu desejo confunde-se com o vagar das nuvens.
Ser é a minha primeira alegria
e sou tudo o que respiro.
Que amante ouvirá esta canção?
Eu amo tudo o que é vivo
e a minha nudez renova-se e inebria-me.
Movo-me como uma serpente
em silenciosos gestos
e o meu desejo confunde-se com o vagar das nuvens.
Ser é a minha primeira alegria
e sou tudo o que respiro.
Gosto da Multidão Como do Mar
Gosto da multidão como do mar,
não para me deixar submergir,
mas para vogar à superfície
como um pirata solitário,
aparentemente dócil
ao seu ritmo,
para melhor recuperar o meu próprio ritmo,
quando a corrente se quebra,
ou se esvai.
não para me deixar submergir,
mas para vogar à superfície
como um pirata solitário,
aparentemente dócil
ao seu ritmo,
para melhor recuperar o meu próprio ritmo,
quando a corrente se quebra,
ou se esvai.
(Início do filme L’Amour l’aprés-midi, de Eric Rohmer)
...y La Lluvia
... y la lluvia,
también la lluvia se toma su tempo para caer.
Sê paciente con mi corazón
que suspira por uma obra duradera.
Como el viento,
como la lluvia,
también mi corazón
se toma su tempo para caer.
también la lluvia se toma su tempo para caer.
Sê paciente con mi corazón
que suspira por uma obra duradera.
Como el viento,
como la lluvia,
también mi corazón
se toma su tempo para caer.
Sentaram-se na Areia
Sentaram-se na areia e descalçaram os sapatos.
Puseram-se a contar pelos dedos os barcos
que faltariam para chegar o Verão.
Nenhum deles falava. Tinham passado juntos
algumas noites, num quarto sem vista. E, embora
julgassem o contrário, não conheciam um do outro muito mais do que isso.
Estavam ali sentados para ver se acontecia alguma coisa.
No Verão
alguém viria forçosamente buscá-los.
Puseram-se a contar pelos dedos os barcos
que faltariam para chegar o Verão.
Nenhum deles falava. Tinham passado juntos
algumas noites, num quarto sem vista. E, embora
julgassem o contrário, não conheciam um do outro muito mais do que isso.
Estavam ali sentados para ver se acontecia alguma coisa.
No Verão
alguém viria forçosamente buscá-los.
Maria do Rosário Pedreira
Tratava dos Canários
Tratava dos canários
Dava de comer à mula
Ficava imóvel meia-hora
Todas as manhãs
Tratava dos canários
Dava de comer à mula
E ficava imóvel meia-hora
Nunca era premeditada essa paragem de meia-hora
Acontecia
Todas as manhãs
Talvez fosse a pausa depois de dar de comer à mula
O momento que se escoava, lento
Parecia haver um tempo natural
Desde que tratava dos canários
Até que dava de comer à mula
Não era nunca um problema
Passar dos canários
Para a mula
Acontecia
Todas as manhãs
Era a pausa
Depois de dar de comer à mula
Que o aturdia
Uma pausa enorme
Sabia muito bem o que ia fazer a seguir
Sabia até muito bem
Sabia que a seguir ia ele comer
Depois de dar de comer à mula
Mas não conseguia mexer-se
Ficava imóvel meia-hora
Fixando o deserto
Por vezes fixando a adega
Outras vezes fixando a bomba do poço
Variava a direcção para onde calhava olhar
No momento em que a imobilidade o tolhia
Chegou ao ponto de ansiar por esse momento
Em que ficava imóvel meia-hora
Era o ponto alto da sua manhã
Tratar dos canários
Dar de dar de comer à mula
Ficar imóvel meia-hora.
Sam Shepard
Voltarás do Mundo das Sombras
Voltarás do mundo das sombras
num cavalo de cinza,
pegar-me-ás pela cintura
para me levares para o outro lado do horizonte;
pedir-te-ei perdão
por não ter sabido impedir
que morresses de desejo.
C. Pavane
E Se Desejo Às Vezes
E se desejo às vezes,
Por imaginar, ser cordeirinho
(ou ser o rebanho todo
Para andar espalhado por toda a encosta
A ser muita coisa feliz ao mesmo tempo)
É só porque sinto o que escrevo ao pôr do Sol
Ou quando uma nuvem passa a mão por cima da luz
E corre um silêncio pela erva fora.
Por imaginar, ser cordeirinho
(ou ser o rebanho todo
Para andar espalhado por toda a encosta
A ser muita coisa feliz ao mesmo tempo)
É só porque sinto o que escrevo ao pôr do Sol
Ou quando uma nuvem passa a mão por cima da luz
E corre um silêncio pela erva fora.
Alberto Caeiro
Para Saber de Amor
Para saber de amor,
para aprenderle
haber estado solo es necessario
y es necessario en cuatrocientas noches
- con cuatrocientos cuerpos diferentes -
haber hecho el amor.
Que sus misterios,como dije el poeta, son de alma,
pero um cuerpo es el libro en que se leen.
para aprenderle
haber estado solo es necessario
y es necessario en cuatrocientas noches
- con cuatrocientos cuerpos diferentes -
haber hecho el amor.
Que sus misterios,como dije el poeta, son de alma,
pero um cuerpo es el libro en que se leen.
Jaime Gil de Biedana
Que Farás Agora Sem Perguntas
Que farás agora sem perguntas,
outra vez na conjunção das águas,
sem esse verde que de ternura
iluminava os sulcos
onde passavam barcos, digo: lábios.
outra vez na conjunção das águas,
sem esse verde que de ternura
iluminava os sulcos
onde passavam barcos, digo: lábios.
Eugénio de Andrade
Mississipi
Há muito tempo que não saio de casa (a não
ser para ir ao supermercado ou à gelataria).
Se soubesses a confusão de rios que vai no meu
quarto
Estou morto por te apresentar o Mississipi
Estou morto que venhas estou morto por ouvir
o som irritante da campainha da entrada
Há muito tempo que não saio de casa
Se soubesses a vontade que tenho de passear
no interior da tua orelha
ser para ir ao supermercado ou à gelataria).
Se soubesses a confusão de rios que vai no meu
quarto
Estou morto por te apresentar o Mississipi
Estou morto que venhas estou morto por ouvir
o som irritante da campainha da entrada
Há muito tempo que não saio de casa
Se soubesses a vontade que tenho de passear
no interior da tua orelha
JORGE DE SOUSA BRAGA
História Trágico-Marítima
Era a segunda vez que se fazia ao mar. Era a segunda vez que uma traineira o recolhia a dois quilómetros da costa. O cisne é um palmípede que vive na água doce. Vem nos livros. Porque havia um cisne de se fazer ao mar? O seu lugar era a água doce. Um lago qualquer com meninos de calção e mamãs a dizerem: − Olha um cisne! Era a segunda vez que se fazia ao mar... o guarda do parque foi ameaçado de despedimento. Caso a sua fuga se concretizasse constituiria um lamentável precedente. Imaginem que... Era a segunda vez que se fazia ao mar. Era a segunda vez que uma traineira o recolhia a dois quilómetros da costa.
JORGE DE SOUSA BRAGA
Poema de Amor
Esta noite sonhei oferecer-te o anel de Saturno
e quase ia morrendo com o receio de que ele não
te coubesse no dedo.
e quase ia morrendo com o receio de que ele não
te coubesse no dedo.
JORGE DE SOUSA BRAGA
Rifão Quotidiano
Uma nêspera
estava na cama
deitada
muito calada
a ver
o que acontecia
chegou a Velha
e disse
olha uma nêspera
e zás comeu-a
é o que acontece
às nêsperas
que ficam deitadas
caladas
a esperar
o que acontece
estava na cama
deitada
muito calada
a ver
o que acontecia
chegou a Velha
e disse
olha uma nêspera
e zás comeu-a
é o que acontece
às nêsperas
que ficam deitadas
caladas
a esperar
o que acontece
in Novos Contos do Gin
MÁRIO-HENRIQUE LEIRIA
MÁRIO-HENRIQUE LEIRIA
Cegarrega Para Crianças
A Velha dormindo
o rato roendo
a Velha zumbindo
o rato correndo
a Velha rosnando
o rato rapando
a Velha acordando
o rato calando
a Velha em sentido
o rato escondido
a Velha marchando
o rato mirando
a Velha dizendo
o rato escutando
a Velha ordenando
o rato fazendo
a Velha correndo
o rato fugindo
a Velha caindo
o rato parando
a Velha olhando
o rato esperando
a Velha tremendo
o rato avançando
a Velha gritando
o rato comendo
o rato roendo
a Velha zumbindo
o rato correndo
a Velha rosnando
o rato rapando
a Velha acordando
o rato calando
a Velha em sentido
o rato escondido
a Velha marchando
o rato mirando
a Velha dizendo
o rato escutando
a Velha ordenando
o rato fazendo
a Velha correndo
o rato fugindo
a Velha caindo
o rato parando
a Velha olhando
o rato esperando
a Velha tremendo
o rato avançando
a Velha gritando
o rato comendo
In Contos do Gin-Tonic
MÁRIO-HENRIQUE LEIRIA
MÁRIO-HENRIQUE LEIRIA
Saudades de Alexandria
Posso dizer a idade da sombra
onde o nome repousa
mas é um jogo mortal
deixar esse abismo
descoberto
alguém pode encontrar a morte
Posso dizer: recuperem dos espelhos
as sublimes imagens
tragam-me a beleza antiga
um dia incendiada
Ah tenho saudades de Alexandria
onde ospoemas se escreviam
para o fogo
o único recitador tão perfeito
que não se repete
onde o nome repousa
mas é um jogo mortal
deixar esse abismo
descoberto
alguém pode encontrar a morte
Posso dizer: recuperem dos espelhos
as sublimes imagens
tragam-me a beleza antiga
um dia incendiada
Ah tenho saudades de Alexandria
onde ospoemas se escreviam
para o fogo
o único recitador tão perfeito
que não se repete
José Tolentino Mendonça
Calle Príncipe, 25
Perdemos repentinamente
a profundidade dos campos
os enigmas singulares
a claridade que juramos
conservar
mas levamos anos
a esquecer alguém
que apenas nos olhou
a profundidade dos campos
os enigmas singulares
a claridade que juramos
conservar
mas levamos anos
a esquecer alguém
que apenas nos olhou
José Tolentino Mendonça
A Noite Abre Meus Olhos
Caminhei sempre para ti sobre o mar encrespado
na constelação onde os tremoceiros estendem
rondas de aço e charcos
no seu extremo azulado
Ferrugens cintilam no mundo,
atravessei a corrente
unicamente às escuras
construí minha casa na duração
de obscuras línguas de fogo, de lianas, de líquenes
A aurora para a qual todos se voltam
leva meu barco da porta entreaberta
o amor é uma noite a que se chega só
na constelação onde os tremoceiros estendem
rondas de aço e charcos
no seu extremo azulado
Ferrugens cintilam no mundo,
atravessei a corrente
unicamente às escuras
construí minha casa na duração
de obscuras línguas de fogo, de lianas, de líquenes
A aurora para a qual todos se voltam
leva meu barco da porta entreaberta
o amor é uma noite a que se chega só
José Tolentino Mendonça
O Poema
O poema é um exercício de dissidência, uma profissão de incredulidade na omnipotência do visível, do estável, do apreendido. O poema é uma forma de apostasia. Não há poema verdadeiro que não torne o sujeito um foragido. O poema obriga a pernoitar na solidão dos bosques, em campos nevados, por orlas intactas. Que outra verdade existe no mundo para lá daquela que não pertence a este mundo? O poema não busca o inexprimível: não h'a piedoso que, na agitação da sua piedade, não o procure. O poema devolve o inexprimível. O poema não alcança aquela pureza que fascina o mundo. O poema abraça precisamente aquela impureza que o mundo repudia.
José Tolentino Mendonça
Lourdes Castro, Rua da Olaria
O pardal do campo descobre muitos lugares para uma casa
a poucos metros de mim
mundos sobrepostos transitam, preenchem o silêncio
e para o ânimo deles
quem não se levantaria?
A minha arte é uma espécie de pacto:
não distingo as áreas selvagens das cultivadas
e elas não distinguem a minha sombra
da minha luz.
a poucos metros de mim
mundos sobrepostos transitam, preenchem o silêncio
e para o ânimo deles
quem não se levantaria?
A minha arte é uma espécie de pacto:
não distingo as áreas selvagens das cultivadas
e elas não distinguem a minha sombra
da minha luz.
José Tolentino Mendonça
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