terça-feira, 31 de maio de 2011

A Margem da Alegria (fragmentos)

Inês de Pedro presa mais que súbdita é princesa
e mais branca que a própria dona branca
que vinda de navarra cedo volta à sua terra
e tem no olhar mais céus que os que cobre deus
e abre como a tarde onde algum grito vibre
e tal chuva derrama que mais que a chuva ela chuva se chama
e refulge só ela mais que toda a estrela
e tudo até esmorece ou mesmo desfalece
ao vê-la à luz do dia mais alegre que a alegria
depois disso mais triste que quanto ser existe
Não pode descrevê-la bem alguém mesmo depois de vê-la
...
Inês ferida logo fez funda ferida no
peito do seu senhor com esse amor
que tudo incendiava porque o seu olhar
quando à volta poisava tudo logo queimava
e queimou esse pedro que era pedra
Seus braços o ataram e o perderam
pois sempre eles mataram seres que se amaram
e pedro foi de inês como se é de vez
de alguém que se deseja e esse amor detém
toda a pessoa a quem ocorre ser o meio
entreposto entre dois seres que se querem
cada vez mais quanto menos jamais
se podem abraçar e assim se consumir
...

E é assim que inês mais que mulher anjo talvez
se faz a perdição de pedro que a tem em toda a parte
inês palavra para a boca e na alma suspiro
inês inês mais vezes nomeada cada vez
...
Mas nos olhos de inês há muitos pressentimentos
a roda da fortuna touca-lhe a cabeça
e a rodar começa e traz bons e maus momentos
e nada além da morte há quem a vença
E assim inês confia e desconfia
confia na alegria e teme de tristeza
e tem falas contrárias mais do que a contradição
...
E aquela mulher teme o furor
daquele seu senhor que não sabe o que quer
e se mostra inconstante inconsequente
às vezes de repente com aquela que constante
se mostra num amor a partir do olhar
E há lágrimas na tez da loura inês
e treme-lhe essa mão que mais que sua é dele
e pede todo o dia que garanta a alegria
que em seus olhos havia e agora varia
ao vento dessa voz que o ódio tem
na multidão que fala e que ao falar ondula
cruel de encontro à estrela que era dela
e agora se revela às vezes adversária
e prefere a tal sorte a fera morte
e espera pela noite embora a luz do dia
empalideça ante a alegria que seus olhos envolvia
Pedro protesta então que esse receio é vão
que lhe brilha no olhar o mesmo amor
que nele viu brilhar já no primeiro dia
esse dia que havia de mudar-lhe a face
até delida pelo curso vão da vida
Mais do que infanta ela é senhora
de todo esse seu ser onde ela canta
de dia com a voz da cotovia
à noite com o som em si bemol do rouxinol
...
Em vão afonso tudo move para que prive
da alma do seu filho aquela que lá vive
e lá mora mais do que mora fora
E contra toda a força o infante se esforça
e lembra-se daquele seu antepassado 
que ousou ao matrimónio opor amor
e desse amor vir a gerar o trovador
senhor de alto saber e que mandou plantar
para vencer o mar esse oceano de pinhais
onde o vento o é mais e cresce mais e mais
e ao lembrar tudo isso ele daria a vida
pra levar de vencida os inimigos da amada
e preferia  alousa só da terra lisa
onde por fim sereno ter jazida
do que ver em si o temor maior do que o amor
quando ele o que vê é crescer o seu amor pela mulher
de que o pai o quer separar sem querer reparar
que a separação faz aumentar o amor
e no peito raízes mais fundas plantar
difíceis de arrancar as mais das vezes
A inês não lhe vem a realeza
da raça desses reis a que se sabe pertencer
mas sim da sua natureza só singular de mulher
desse colo de garça envolto na beleza
de um colar que desce desse olhar
Pedro é mais do que tudo esse branco peito
ele amador é hoje a coisa amada
vive dentro de si a verdadeira vida
e consegue ser livre só por ser cativo
do amor que nele tem o principado
e nele fugaz assume para alguns o nome 
do pérfido pecado pertinaz
E a haste frágil daquela mulher
faz o que quer daquele infante forte
que só a própria morte há-de vergar
Mas que outra coisa pode ele fazer
que deixar-se vencer por quem ele vence
até aos dois o amor igualar
e esse amor passar a ser o sol maior
que mais esse do que outros mundos ele domina
melhor domina só pelo resplendor?
Que ser senão já o senhor mas apenas um súbdito
sujeito a esse empório
a esse território sem rosto
que nenhum outro reino excede no poder
mesmo quando exigir sempre mais mundos
sem nunca nenhum deles o cumular?
Se ela já faz parte dele mesmo 
como há-de ele fugir dessa mulher?
Amor assim logo ao nascer havia de mover
o próprio movimento o que tudo move
Amor cego que cega cego que mais vê
ser assim frágil que é o mais cruel
amor de inês amor de pedro talvez
que faz dois seres serem um de vez
ser único e definitivo
ser único e definitivo e imortal
Ruy Belo

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