A ESCOLHA DE PEDRO MEXIA
Jorge Sousa Braga, “Portugal” (retirado de “De manhã vamos todos acordar com uma peróla no cu”, Fenda, 1981)
Eu tenho vinte e dois anos e tu às vezes fazes-me sentir como se tivesse
oitocentos
Que culpa tive eu que D. Sebastião fosse combater os infiéis ao norte de
África
só porque não podia combater a doença que lhe atacava os órgãos genitais
e nunca mais voltasse
Quase chego a pensar que é tudo uma mentira
que o Infante D. Henrique foi uma invenção do Walt Disney
e o Nuno Álvares Pereira uma reles imitação do Príncipe Valente
Portugal
Não imaginas o tesão que sinto quando ouço o hino nacional
(que os meus egrégios avós me perdoem)
Ontem estive a jogar póker com o velho do Restelo
Anda na consulta externa do Júlio de Matos
Deram-lhe uns electro-choques e está a recuperar
aparte o facto de agora me tentar convencer que nos espera um futuro de
rosas
Portugal
Um dia fechei-me no Mosteiro dos Jerónimos a ver se contraía a febre do
Império
mas a única coisa que consegui apanhar foi um resfriado
Virei a Torre do Tombo do avesso sem lograr uma pérola que fosse
das rosas que Gil Eanes trouxe do Bojador
Portugal
Vou contar-te uma coisa que nunca contei a ninguém
Sabes
Estou loucamente apaixonado por ti
Pergunto a mim mesmo
Como me pude apaixonar por um velho decrépito e idiota como tu
mas que tem o coração doce ainda mais doce que os pastéis de Tentugal
e o corpo cheio de pontos negros para poder espremer à minha vontade
Portugal estás a ouvir-me?
Eu nasci em mil novecentos e cinquenta e sete Salazar estava no poder nada
de ressentimentos
um dia bebi vinagre nada de ressentimentos
Portugal
Sabes de que cor são os meus olhos?
São castanhos como os da minha mãe
Portugal
gostava de te beijar muito apaixonadamente
na boca
A JUSTIFICAÇÃO DE PEDRO MEXIA PARA A SUA ESCOLHA
Este poema tem duas características que podem aproximar as pessoas da poesia. A primeira, o facto de falar de algo que lhes pode dizer alguma coisa: a relação com Portugal e a sua história de uma forma que é estranha porque não é propriamente patriótica, mas também não é antipatriótico, que parece sentimental e irónica. Por outro lado, porque tem uma linguagem totalmente acessível e muito inventiva. Ou seja, é difícil alguém dizer que não compreende este poema, mas ao mesmo tempo não significa que a linguagem do poema se aproxime da prosa. É uma linguagem com imagens inesperadas, como a história da piscina municipal de Braga e de Camões a salvar “Os Lusíadas”, com um tom um bocadinho provocatório - talvez seja excessivo chamar-lhe assim. Não tem aquela solenidade que algumas pessoas associam à poesia e que as afasta. Estas duas característica que Jorge de Sousa Braga tem, sobretudo neste poema, podem reconciliar, pacificar as pessoas com a poesia. Ou não, nunca se sabe. “Portugal” é um poema ao qual as pessoas reagem bem, é sempre dos mais elogiados e mais lidos em público, porque se prestava muito a ser lido - pela extensão e ritmo - mas também pelo tom pouco habitual nos poemas que tratam as questões de Portugal, que são sempre bastante solenes. E ele trata-o de uma forma totalmente desenvolta e que no fim chega mesmo a ser sentimental. Talvez este seja um poema um bocadinho como os hits nas bandas pop, por ser o mais conhecido do autor. Não sei se ele se fartou, como acontece com as bandas, mas sei que é o poema do Jorge Sousa Braga que as pessoas memorizaram.
Sem comentários:
Enviar um comentário